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Prazer de miragem

Prazer de miragem, 2022, Ardotempo, Porto Alegre. Texto de orelha de Ângela Vilma, apresentação de Tiago Maria.

Trecho do texto de orelha:

“Casas amáveis” as tuas, Mariana, diria nossa eterna Cecília. Dentro de ti quanta beleza, amiga querida! “Amiga querida”, é assim a maneira de nos saudarmos, nessa distância que separa a minha casa da tua – que é nada, visto o afeto a nos unir –; lá onde crias, magistralmente, com palavras e sentimento, as coisas mais preciosas. Neste teu livro, as possibilidades de miragem que nos dão tuas mãos: o mar inventado bastando “esperar o sol atingir o ponto em que atravessa a janela do banheiro e então entrar no banho” e “fechar os olhos” (Prazer de miragem); o conhecimento profundo sobre aquela que perdeu para a morte seu ser mais amado: sabes tu que ela  “era quem lhe acompanhava cotidianamente, quem lhe preparava o café quente indispensável, quem lhe cuidava no refúgio da paz doméstica” (Visão); e a pergunta fatal, precursora de todos os desamparos: “Mas dentro, dentro mesmo, quem alguma vez nos viu?”(Nós que ainda sonhamos).

Telepáticas, essas páginas. Pois que nelas vislumbrei um mundo muito melhor para viver. Um mundo possível e acolhedor, onde a poesia reflexiva ecoa numa prosa profunda, bela e bem urdida, a despeito dos seres horrendos, os tais “industriosos da mentira” (Como é possível?) continuarem a nele habitar. Escuto teu conselho, amiga querida, fazendo durar minhas “reservas de miragem”, junto a essas que agora me dás, enquanto “dure esse tempo bruto”.

Grata, imensamente,

Tua

Ângela Vilma

Dia de amar a casa_capa_

Dia de amar a casa

Dia de amar a casa, 2020, ed. Ardotempo, Porto Alegre. Texto de orelha de Cícero Belmar, apresentação de Alexandre Brandão. Prêmio Minuano de Literatura (crônica) 2021.

Trecho do prefácio:

A casa de Mariana é o espaço para onde convergem tanto histórias antigas, íntimas e familiares — em especial as da avó —, quanto novas — com destaque para a relação da escritora com a filha —, mas é também, a despeito de seus tijolos e vergalhões, de suas chaves e cômodos, o espaço que se move e acompanha a cronista aonde quer que ela vá. Se muitos escritores fazem da rua a sua casa, a autora deste livro carrega para a rua a sua casa.

A casa em que se está e a que se leva, duas, mas uma só, são sustentadas pelo amor e pelo conhecimento, portanto uma visão amorosa e erudita é o que se oferece ao leitor. O amor não impede, aliás, motiva a autora a se posicionar vigorosamente contra os desmandos do mundo, em particular o que toma conta de nosso país. Passagens bíblicas, referências a santas, santos ou a um provérbio africano, artistas plásticos, escritores e tantos outros fatos, obras e pessoas citados nunca são ilustrações cosméticas, exibição à toa, longe disso, são a luz que clareia, na voz de Ianelli, seus espantos, alegrias, admirações, dúvidas, frustrações, revoltas, anseios, enfim, o que ela sente e reparte.

Alexandre Brandão

entre imagens para guardar 2017

Entre imagens para guardar

Entre imagens para guardar, 2017, ed. Ardotempo, Porto Alegre. Texto de orelha de Ana Miranda, apresentação de Henrique Fendrrich.

Trecho da orelha:

Impressionam a sua perfeição narrativa, a intensidade, a erudição feminina entrelaçada a realidades e manifestada de modo extremamente natural. A universalidade de seus elementos. Suas observações surpreendentes. As imagens espantosas. Emocionam a leveza no trato dos temas e no uso poético das palavras e a força do essencial – a poesia é capaz de dizer tudo num só verso. Estas fascinantes crônicas, ou ensaios poéticos, por vezes pequenos contos, se compõem de elementos escolhidos com o crivo da verdade íntima. Tudo é pedra de construção. (…)

Mariana tece conversas com o tempo, desafia o esquecimento. Com palavras escritas em tinta indelével, forma pinturas sutis, de cores tênues. Pinturas literárias que renovam o rigor e a força fundamental da família. Co um tremendo senso de responsabilidade humanitária, Mariana nos mostra verdades pelo avesso. Ele nos revela o que não vimos, e o reverso do que vimos. Círculos do inferno, grandes sofrimentos, alegrias idílicas, dores miúdas, as misteriosas razões do cantar…Em imagens, transparências, luminosidades. Instantes que nos tocam o sentimento, e que vamos guardar para sempre nos jardins mais floridos da memória.

Ana Miranda

Breves anotações sobre um tigre

Breves anotações sobre um tigre

Breves anotações sobre um tigre, 2013, ed. Ardotempo, Porto Alegre. Texto de orelha de Luís Henrique Pellanda, apresentação de Ignácio de Loyola Brandão.

Trecho da orelha:

Estas crônicas me enriqueceram antes mesmo de virarem livro, já as havia lido ao menos duas vezes, a primeira no Vida Breve (publicação em internet), onde eram publicadas aos sábados e me davam, como tão bem sugeria a autora, “algum prazer de sombra no fim de uma semana ensolarada”. Fui um leitor feliz e não escondo: sou grato a tudo que me dá algum prazer.

(…)

Na escrita, nos diz a Mariana, há uma espécie de dança de Salomé. Também acho. Só nos falta saber o que de nós será arrebatado ao fim da dança das páginas. E agradecer à poeta por ter se entregado com tamanha paixão à crônica. Ou seja, por ter se apaixonado por nós.

Luís Henrique Pellanda

Capa Horas Etty

Horas de Etty

Horas de Etty, 2023, ed. Cas’a, Minas Gerais. Texto de orelha de Marcus Reis Pinheiro.

Horas de Etty reúne poemas inspirados no convívio de mais de uma década de Mariana Ianelli com os escritos da holandesa Etty Hillesum. Cada poema cristaliza um momento importante da vida de Etty, que atravessou os anos finais da Segunda Guerra, em Amsterdã, munida de seus diários, além de livros de Rilke e da Bíblia.
Um livro que chama os leitores para o mundo interior dessa mulher que desejava ser poeta e que travou silenciosas batalhas consigo mesma até chegar ao campo de trânsito de Westerbork (norte da Holanda) e dali ser deportada para o Leste no começo de setembro de 1943. Agora em 2023, completam-se 80 anos da morte de Etty em Auschwitz.



Restamos nós dois –
os mestres já passaram, também o desespero.
Não nos socorre nem uma brincadeira.
Se caminhassem agora os pés abririam
a cada passo círculos concêntricos
num espelho de silêncio
(não demorará a acontecer).
Restamos nós dois, a noite inteira pela frente
incorrespondentes com esta época
a paz e seu reino.

Dança no alto da chama 2023

Dança no alto da chama

Dança no alto da chama, 2023, ed. Cousa, Espírito Santo. Texto de orelha de Luci Collin.

“Esse livro é de jorros, de brotamentos e algo também de mistérios e muito também de marulha dos júbilos. É aventura-princípio de nossos ínfimos imensos, dos céus de outros mundos, que sabem a viagens e silêncio contando do que (nos) observa. Entre guardados: meteoritos, ousadias, erupções, fortunas. Entre segredos: brancuras, lodos, cerimônias dos tons proliferados. E o que faz tremer dessagrados e até as águas; e o que sagra a palavra vasta, pintada, úmida, desbragadamente doce a penetrar, a deixar-se estar espessamento e chama. Eis porque toda noite. Eis porque a fruta se prova”.

(Das palavras de Luci Collin)



DANÇA NO ALTO DA CHAMA

Pouco as luzes da cidade nos viram juntas
E jamais as horas de um dia inteiro
Mas sim: já muitas vezes nos viram
A lua de Bashô, a rosa de Hiroshima
Catedrais de flores empíreas e cometas
Sim: já muito nos viu juntas
Um mesmo sonho de firmamento
Sobre os desertos gelados e ventosos do Ártico
Lá onde trabalha Vyacheslav, o homem
Mais solitário nosso amigo, que tem sobre a mesa,
Entre livros, uma foto de Yuri Gagarin
E tantas, tantas vezes nos viu o rés-do-chão
E também a Aldebarã de uma cantiga de Cecília,
E nessa cantiga os olhos de Omar Khayyam
E suas mãos morenas destilando mel da estrela,
Pouco as luzes da cidade e nunca as horas
De um dia inteiro, mas as danças no alto da chama,
Sim, nos viram, nos repiques da noite,
Juntas, nas odes ao fogo, aos fúlmens,
Às frestas incandescentes de todas as coisas
Já uma vez rebentadas, feridas pela vida.

Vida dupla 2022

Vida dupla

Vida dupla, 2022, ed. Peirópolis, São Paulo. Biblioteca Madrinha Lua (curadoria de Ana Elisa Ribeiro). Texto de apresentação de Simone Andrade Neves. Selo Altamente Recomendável FNLIJ.

Neste Vida dupla, Mariana Ianelli faz uma autêntica homenagem a Henriqueta Lisboa, criando uma voz lírica que se conecta com o incomum dos versos e paisagens da poeta mineira. Com fluidez e graça, além de certa devoção, Mariana esconde, na forma e no vocabulário, a matéria-prima emprestada para novos assombros e sobressaltos; amplia e encurta distâncias entre tempo e espaço, o invisível e a imagem que perscruta em outros mundos, num exercício de alteridade e espelhamento entre a poesia e o leitor.



Quinze anos
Tinha rosto de menina
aflorando em moça
tinha o corpo algodoado
no lugar de vísceras
pálpebras guardando nada
e brilhava sua inteireza
ainda agarrada à vida
quem arriscou encarar
a olho nu o sol no eclipse
arriscou queimar a vista.

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Moradas

Moradas, 2021, ed. Ardotempo, Porto Alegre. Texto de orelha de André Seffrin.

Poeta de impulsos simbolistas, nessa que é uma das correntes mais ricas de nossa literatura., Mariana Ianelli, coloca a fábula e o espanto novamente no centro do palco. E sempre foi assim, desde o início, há cerca de duas décadas. Porventura agora parece mais densa em Moradas? Talvez. Saberá o leitor que percorrer seus livros anteriores, quando à luz de epígrafes-guias o poeta se põe em movimento órfico e perquiridor…



Que mundo outro é este que se salva e tão volátil
De céus guardados por olhos que se abriram
E mesmo atrás das pálpebras não se fecham mais?
Que mundo outro brota do nosso mundo maltratado
E o salpica de labaredas e põe luz nas mãos em concha
Como aqueles que têm de si apenas os próprios corpos
E porque se amam veem pilares e torres e festins
Jardins com figos do tempo recém-chegado de cantar
Que mundo outro é esse que se abre neste mundo
Que nos serve a polpa de seus frutos e perfumes
E enquanto continuarem nossos olhos noutros olhos
Continuará a dar de beber em taça cheia sua verdade

capa terra natal

Terra natal

Terra natal, 2021, ed. Cousa, Espírito Santo. Texto de apresentação de Faustino Teixeira. Finalista do prêmio Candango de Literatura (poesia).


OS AMANTES DE WUHAN

Até quando? É a pergunta que nubla
Uma cidade na clausura
Desolada pelo terror de um ar irrespirável.
O comércio foi suspenso.
Os abatedouros aquietaram-se.
Os que ainda se arriscam pelas ruas
Praticam a ciência dos fantasmas.
A espera tem cachos de olhos nas janelas
Mas na casa dos amantes
Todos os olhos já se fecharam.
Nunca foram tão obedientes
Às exortações das autoridades.
Ocupados feito monges
Justificados pela peste
Estão se percorrendo milimetricamente
Pelos poros, por noites encadeadas
Num único dia sem fim, eles estão se amando
E não têm tempo a esperar que o tempo passe.

capa livro américa

América – um poema de amor

América – um poema de amor, 2021, ed. Ardotempo, Porto Alegre. Bilíngue: português – espanhol. Tradução de Eduardo Langagne. Texto de apresentação de Ramon Nunes Mello. Semifinalista do prêmio Oceanos 2022.

Este Poema de Amor tomou corpo, quero crer, num ‘estado poético’ onde a poeta propôs-se mergulhar, uma espécie de vórtex movido pelo encontro das águas de, ninguém menos, um Amazonas com um Atlântico. Ali onde as palavras ganham carne e sentidos próprios para amantes, estando livres para ecoar nos abismos dos que amam, quando ela diz querer ‘tua parte que morre e fecunda: essa eu quero’, mais valorada esta que suposta parte forte. Em estados poéticos se fabricam poemas de amor, obedientes ‘das deusas da libido’, alcançando momentos de vesânia, como um desvario, onde sussurram mil almas pessoanas, mas mantendo-se a cabeça no lugar. É-se a si mesmo, e também o outro, em movimento caleidoscópico, que não permite pensar-se, ali apenas se é. ‘A gota de fogo, de Octavio Paz’.

‘Somos devorados e para isso viemos’. De fato, a morte da petite mort é efêmera, coisa veríssima, mas ali estarão ainda ‘palavras que se tocam e se acendem’, quando percebemos não além de que ‘somos fagulhas que tonteiam’ e que, onde pisamos ‘há um chão irisado que não é deste planeta’.

Ouse América, livre-anagrama de Mariana. Ouse: ‘somos os amantes’. Poema de poeta orvalhada, poeta de águas, de outros cosmos. É poema-ato-político.    

Paulo Rosa



(…)

É um seio se dando num quintal de abacateiros
É o fumo que chupamos juntos fazendo chama
São as nuvens de um segundo firmamento sobre os cânions
É o teu corpo adolescendo de novo
Doando fogo ao dia e ao faro do cachorro
É a barra de uma saia arrepanhada para as coxas
Um ziguezaguear de lagartixa e o cachorro ladrando louco
É a libação de um jasmineiro e seu perfumado gozo
O sol amarrado à pedra até a terceira hora
A pedra quente como um corpo vivo sob o nosso corpo de criatura
É a manhã sobre as ovelhas como sobre arbustos de lã
É o traço cantado do vento espiralando por gracejo
É o estardalhaço insano das cigarras nas matas
São as borboletas-monarca debruando de âmbar um azul de outubro
São os teus olhos a conversar com os olhos das éguas
Fogo de um lampião de estância onde uma moça lê um livro
Fogo da procissão que arboresce de luz a vila em festa
Fogo latente desses vulcões sobre cidades
Onde o perigo exorta a amar urgentemente (…)