coletânea contos

Facas – contos escolhidos

Facas – contos escolhidos, organização Alfredo Aquino, ed. Ardotempo, Porto Alegre, 2022.

Contos com a temática das facas. Aqui estão contos densos e originais, de imaginação rica, alguns mais poéticos, outros de viés policial, uns de profunda estrutura subjetiva e urdidura psicológica, alguns urbanos, de diferentes continentes, outros de teatro regional, de Campanha – femininos e masculinos; todos magistralmente escritos, algum humor, alguma leveza, melancolia e violência com sabor de sangue. Junto a essa coleção literária preciosa, um ensaio fotográfico em que a artista das imagens, vinda da fronteira profunda, realizou um ensaio notável com uma faca longa e muito antiga, de história bélica e sangrenta, protagonista de um conto imaginário e agora apresentada como a protagonista real, sobranceira e tangível, afiadíssima em seu gume riscado e infalível, num palco sereno e de natureza, de campos, horizonte pampeano com aramados, de pedras e de águas, assim como se imagina e se sabe a fronteira.

Capa coletânea Contar histórias com a avó ao colo

Contar histórias com a avó ao colo

Contar histórias com a avó ao colo, Org. Teresa Noronha, Escola Portuguesa de Moçambique -Centro de Ensino e Língua Portuguesa, 2021.

Autoras: Maria Celestina Fernandes, Mariana Ianelli, Natacha Magalhães, Kátia Casimiro, Angelina Neves, Lurdes Breda, Olinda Beja e Maria do Céu Lopes da Silva
ilustração: Tânia Clímaco

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“Contar histórias com a avó ao colo” é um livro infantil, cuja originalidade do título remete para ditados e expressões populares, mas também para uma certa ancestralidade e o saber passado de geração em geração.

Oferece uma imagem maternal e feminina, pois reúne contos escritos exclusivamente por mulheres de diversos países lusófonos como é o caso de Angola (Maria Celestina Fernandes), Brasil (Mariana Ianelli), Cabo Verde (Natacha Magalhães), Guiné-Bissau (Kátia Casimiro), Moçambique (Angelina Neves), Portugal (Lurdes Breda), São Tomé e Príncipe (Olinda Beja) e Timor Leste (Maria do Céu Lopes da Silva). A ilustração é da autoria da portuguesa Tânia Clímaco.

A edição é da Escola Portuguesa de Moçambique – Centro de Ensino e Língua Portuguesa e do Camões – Centro Cultural em Maputo que, pelo segundo ano consecutivo, se associam às comemorações do Dia Mundial da Língua Portuguesa, instituído pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), como o dia 5 de maio.

“Contar histórias com a avó ao colo” simboliza, por isso, a promoção e a valorização da Língua Portuguesa no espaço que integra o berço das várias culturas, tradições e linguagens que constituem a identidade desta língua para memória futura.

coletânea ensaios

No reverso do verso (ensaios)

No reverso do verso (ensaios), Org. Patricia Peterle, Helena Bressan Carminati e Agnes Ghisi. Ed. Rafael Copetti, 2022.

É num dos segmentos de Brot und wein que Hölderlin pergunta: “para quê poetas em tempos de penúria?”. A pergunta “para quê poetas?” desde então não cessou. Na verdade, o questionamento foi se deslocando ao longo das décadas, mexendo com o poético, ao mesmo tempo em que a própria crise da poesia ia sendo assinalada e registrada por críticos e poetas. Tanto se falou e se fala da crise da poesia, desse “evento” que para alguns parece integralmente anacrônico. Poderíamos tentar responder à pergunta de Hölderlin, mas todo o esforço tende ao fracasso, ao naufrágio. Nesse sentido, talvez, seja mais interessante aqui fazer com que a questão do poeta alemão, lido intensamente por Heidegger e mais recentemente por Agamben, se transforme em uma espécie de “nuvenzinha espectral” que acompanhe nossas leituras e incursões.

Antologia Protesto_capa

Revolta e protesto na poesia brasileira – 124 poemas sobre o Brasil

Revolta e protesto na poesia brasileira – 124 poemas sobre o Brasil, Org. André Seffrin, Ed. Nova Fronteira, 2021.

Esta antologia reúne 142 poemas sobre o Brasil e os brasileiros. Um país desvendado por poetas, um país que vem de longe, de Gregório de Matos aos nossos dias. Apesar de incluir também poemas satíricos, de humor corrosivo, em sua maior parte são poemas que procuram entender um Brasil real e não aquele, falso, vendido pela propaganda. São poemas de revolta e protesto, mas sem perder de vista a evasão e o riso, também sinais de resistência. Com sarcasmo e com amor, parecem dizer estes poetas ao traduzir as vozes de um povo que sempre buscou caminhos para se tornar menos refém dos perpétuos desgovernos em cujas engrenagens nos enredamos desde o mais remoto passado ― do Brasil Colônia ao Brasil Império, da chamada República Velha ao século XXI.

coletânea 2021

As mulheres poetas na literatura brasileira

As mulheres poetas na literatura brasileira – organização Rubens Jardim, Arribaçã, Paraíba, 2021.

Sinopse: Antologia organizada por Rubens Jardim que reúne 328 poetas de todo o Brasil, de épocas, estilos e estados diferentes. Confira as poetas presentes na coletânea: Angela do Amaral Rangel, Bárbara Heliodora, Ildefonsa Laura César,Beatriz Brandão, Maria Josefa Barreto, Delfina da Cunha, Nísia Floresta, Maria Firmina dos Reis, Adélia Fonseca, Eugênia Câmara, Júlia da Costa, Josephina Álvares de Azevedo, Narcisa Amália, Alcina Carolina Leite, Adelaide de Castro Alves Guimarães, Carmem Freire, Anna Autran, Alexandrina dos Santos, Amélia Rodrigues,Francisca Clotilde, Júlia Lopes de Almeida, Presciliana Duarte de Almeida, Júlia Cortines, Francisca Júlia, Auta de Souza, Eufrosina Miranda, Laura Brandão, Lila Ripoll, Jacinta Passos, Dora Ferreira da Silva, Stella Leonardos, Claire Feliz Regina, Esther Proença Soares, Hilda Hilst, Iracy Gentili, Lina Tâmega Peixoto, Renata Pallottini, Olga Savary, Astrid Cabral, Myriam Fraga, Marly de Oliveira, Eunice Arruda, Eliane Accioly, Lecy Delfim Vieira, Aglaia Souza, Ana Neustein, Miriam de Carvalho, Rita Moreira, Márcia Carrano, Leila Ferraz, Vera Casa Nova, Solange Padilha, Líria Porto, Anna Maria Fernandes, Nilza Barude, Diulinda Garcia, Dalila Teles Veras, Alice Ruiz, Lígia Sávio, Vitória Lima, Ceres Marylise Rebouças de Souza, Deise Assumpção, Clevane Pessoa, Helena Ortiz, Flora Figueiredo, Liana Timm, Betty Vidigal, Margarida Patriota, Ana Maria Lopes, Angela Leite de Souza, Augusta Faro, Rizolete Fernandes, Eulália Maria Radtke, Graça Vilhena, Tânia Diniz, Neuzza Pinheiro, Zuleika dos Reis, Ana Mottin, Lucila Nogueira, Márcia Barroca, Maria Rita Kehl, Elizabeth Hazin, Márcia Maia, Rosália Milszjatn, Sonia Sales, Hilda Machado, Beth Brait Alvim, Dagmar Braga, Angelica Torres, Angela Melin, Neuzamaria Kerner, Teresa Vignoli, Miriam Alves, Lilian Gattaz, Jandira Zanchi, Sonia Nabarrete, Regina Dayeh, Mariza Baur, Angela Zanirato, Carmem Lúcia Fossari, Luiza Silva Oliveira, Roza Moncayo, Malu Verdi, Suzana Vargas, Rosana Piccolo, Barbara Lia, Rosa Ramos, Vania Azamor, Lourença Lou, Claudia Corbisier, Carmem Silva Presotto, Marcia Maranhão Di Conti, Cinthia Kriemler, Raquel Naveira, Lia Sena, Claudia Manzolillo, Célia Musilli, Su Angelote, Thereza Christina Rocque da Motta, Denise Emmer, Esmeralda Ribeiro, Lilian Maial, Vera Lúcia de Oliveira, Rosana Chrispim, Regina Lyra, Nydia Bonetti, Inês Monguilhott, Silvia Rocha, Wanda Monteiro, Carmen Moreno, Amneres Santiago, Adriana Godoy, Deborah Dornellas, Marga Cendon, Pat Lau, Lídia Dabul, Regina Mello, Ana Caetano, Beatriz Helena Ramos do Amaral, Nercy Luiza Barbosa, Rosana Banharoli, Janet Zimmermann, Marcia Tigani, Vera Albuquerque, Elke Lubitz, Cynthia Lopes, Lenita Estrela de Sá, Cristina Ohana, Maria Luiza Mendes Furia, Sandra Fonseca, Susanna Busato, Conceição Bastos, Noélia Ribeiro, Alicia Duarte Penna, Kátia Marchese, Fidélia Cassandra, Marize de Castro, Clio Francesca Tricarico, Ana Valéria Fink, Valéria Tarelho, Thaís Guimarães, Adriana Versiani, Chris Herrmann, Maria Esther Maciel, Natália Barros, Daniella Guimarães de Araújo, Regina Celi, Deolinda Nunes, Lúcia Santos, Luci Collin, Luiza Catanhede, Marília Kubota, Cássia Janeiro, Sílvia Maria Ribeiro, Cristina Ramalho, Helena Arruda, Marlene Araújo, Aila Sampaio, Sandra Regina de Souza, Márcia Friggi, Lázara Papandrea, Rita Alves, Ana Peluso, Tatiana Alves, Lais Chaffe, Lou Vilela, Giselle Ribeiro, Paula Valéria Andrade, Arlene Lopes, Flávia Perez, Esther Alcântara, Iolanda Costa, Fernanda Cruz Filha, Sonia Barros, Rosane Carneiro, Kátia Borges, Adriana Zapparoli, Izabela Leal, Aline Yasmin, Silvana Guimarães, Assionara Souza, Karen Debertolis, Rita Santana, Sílvia Camossa, Lou Albergaria, Elaine Pauvolid, Clarissa Maiorino Zelada, Luciana Barreto, Daniela Delias, Greta Benitez, Edilamar Galvão, Lucila de Jesus, Luciane Lopes, Norma de Souza Lopes, Micheliny Verunschk, Tereza Duzai, Rosy Feros, Vássia Silveira, Virna Teixeira, Diana Junkes, Daniela Pace Devisate, Ingrid Morandian, Karin Krog, Ana Maria Ramiro, Márcia Pfleger, Divanize Carbonieri,Inês Campos, Claudia Schroeder, Carolina Montone, Adriane Garcia, Scheila Sodré, Cláudia Freire, Shirlene Holanda, Angelica Lúcio, Paula Autran, Simone de Andrade Neves, Patrícia Reinbrecht, Cristiane Sobral, Socorro Lira, Ana Elisa Ribeiro, Adri Aleixo, Ana dos Santos, Geruza Zelnys, Jeanine Will, Leila Guenther, Michaela V. Schmaedel, Vanessa Molnar, Alexandra Vieira de Almeida, Carla Andrade, Katyuyscia Carvalho, Karina Rabinovitz, Ana Martins Marques, Cyelle Carmem, Maria Nilda de Carvalho Mota (Dinha), Sabrina Dalbelo, Mariana de Almeida, Marina Mara, Marília Garcia, Mariana Ianelli, Telma Scherer, Carol Marossi, Adélia Danielli, Alessandra Cantero, Ale Safra, Beatriz Bajo, Mah Luporini, Nil Kremer, Walquíria Raizer, Maria Fernanda Elias Maglio, Michelle Wisbowski, Samantha Abreu, Kátia Castañeda, Marina Rabelo, Elisa Andrade Buzzo, Juliana Meira, Roberta Tostes Daniel, Pollyana Furtado, Raquel Gaio, Simone Teodoro, Maria Carol de Bonis, Lisa Alves, Ana Farrah Baunilha, Clara Baccarin, Francesca Cricelli, Maya Falks, Joana Corona, Mariana Varela, Adriana Caló, Elizandra Souza, Mariana Portela, Nina Rizzi, Maiara Gouveia, Germana Zanettini, Mariana Teixeira, Bruna Mitrano, Lilian Sais, Amanda K., Priscila Merizzio, Ryana Gabech, Anna Apolinário, Lubi Prates, Isabela Penov, Mar Becker, Bhetty Brazil, Michelle Buss, Camila Assad, Marcela Maria Azevedo, Carina Carvalho, Lívia Corbellari, Mariana Basílio, Laísa Kaos, Ana Paula Simonaci, Géssica Borges, Amanda Bruno, Samanta Esteves, Bárbara Bento, Karine Kelly, Pâmela Filipini, Ádyla Maciel, Luana Claro, Amanda Vital, Bruna Kalil Othero, Regina Azevedo, Luiza Midlei, Laura Navarro, Jussara Salazar, Marcia Sanchez Luz e Lázara Papandrea.

coletânea 2019

Conte-me um conto, mas que seja lindo e feio como a vida

Conte-me um conto, mas que seja lindo e feio como a vida, organização Alfredo Aquino, ed. Ardotempo, Porto Alegre, 2019

Livro contendo fotografias do escritor e diversos textos ( de aldyr garcia schlee e outros escritores, poetas e personalidades, seus amigos – luiz carlos vaz, paulo luis sousa, cleonice bourscheid,
paulo jose miranda, mariana ianelli, hilda simoes lopes, maria carpi, luiz -olyntho telles da silva, luis antonio de assis brasil e outros)
obras de arte de marlene rosenthal schlee, claudia piccinini, marcelo schlee, alfredo aquino, leandro barrios.
fotografias ineditas de gilberto perin, alexandre schlee gomes, fernando ricardo, pierre yves refalo, paulo rossi
um documento de memoria essencial. Uma edição em homenagem ao grande escritor.

em que creio eu_capa

Em que creio eu

Em que creio eu, organização Faustino Teixeira, ed. Fonte Editorial, São Paulo, 2017

Esta é uma Obra Carregada de Beleza e de Humanidade, do Início ao fim, e pensada a partir de uma indagação que, provavelmente, permeia ou permeou cada um de nós, dos mais simples aos mais intelectuais, dos mais espiritualizados aos mais céticos: Em que Creio eu? Carlos Brandão e Faustino Teixeira convidaram diferentes personalidades para nos contar onde residem em que consistem suas crenças. O Resultado pode ser conferido em textos expressivos, cheios de pessoalidade, desnudamento, religiosidade, memórias de infância, experiências de dor, encontros com a finitude, com o outro, com a poesia, com a transcendência, cada um a seu próprio modo. Fazer esse livro Foi uma das minhas maiores Alegrias porque na humanidade de alguns escritos pude encontrar um pouco de mim em diferentes momentos já vividos em outras possibilidades de reflexão, de dúvidas que ainda mantenho e realidades que ainda posso vir a experimentar.

Antologia Mística 2015

Mística & Literatura 

Mística & Literatura – org. Faustino Teixeira, ed. Fonte Editorial, São Paulo, 2015

Mística e Literatura: Apresentação

Faustino Teixeira

Os tradicionais encontros de mística no Seminário da Floresta, iniciados naquele enigmático junho de 2011, foram ganhando uma densidade de mistério ao longo dos anos, com edições cada vez mais profundas e participadas. Sempre aquele núcleo restrito de pesquisadores e amigos, num clima de muito respeito e abertura. Isto talvez tenha dado o toque de singularidade desses encontros tão substantivos e que inauguraram uma atenção especial do mundo acadêmico brasileiro para o tema da mística. Nos últimos eventos, a abertura temática foi ganhando cidadania, envolvendo questões preciosas como a literatura e o cinema, mas literatura entendida num sentido lato, compondo campos de beleza impar.

Temas complexos e dolorosos estavam na pauta da reflexão, e também uma atenção atenta ao presente, com seus encantos e suas dores, com suas entradas e partidas. A mística, o cinema, a literatura nos fazem acordar para essa dinâmica da impermanência que marca o humano. Como assinala com pertinência Rilke, numa de suas Elegias de Duíno, “o que é nosso flutua e desaparece”[1]. Sem dúvida – ele assinala: “olhai, as árvores são; as casas que habitamos, resistem. Somente nós passamos, permuta aérea, em face de tudo. E tudo conspira para que silenciemos: o pudor, ou quem sabe que indizível esperança”[2]. O que o humano busca com insistência e teimosia é a “duração pura”, a sede implacável de captar “o Aberto”, mas o olhar – contaminado pelo ares do tempo – se vê revertido, incapaz de alçar tamanho voo. O espaço verdadeiramente livre, captado pelo “animal espontâneo” se perde entre outras aventuras. E com isso “ignoramos o que é contemplar um dia, somente um dia o espaço puro, onde, sem cessar, as flores desabrocham”[3]. A grande poeta brasileira, Dora Ferreira da Silva, ao comentar a oitava elegia, sublinha que as crianças e os moribundos “participam às vezes desse inefável”; também os amantes, “sentem por momentos ´a obscura presença e se espantam`”[4]. Envolvidos por suas carícias, “sutilmente protegem, retêm a duração pura”, mas se recolhem, temendo os sussurros do inaudito. Preferem permanecer alheios “no turbilhão da volta a si mesmos”.

A mística, a literatura e a poesia em especial, sabem também celebrar a afirmação da vida e entoar “o canto imortal de Zaratustra”. A dor está aí, com sua inquietante fluidez, mas “a alegria é ainda mais profunda”. Tudo se alinha para nos fazer acordar a consciência de que “estar aqui é esplendor”. E surpresos somos convidados a celebrar a melodia das coisas: as manhãs de estio, o fulgor das auroras, os dias ternos junto às flores, a luz dos campos nas tardes inesquecíveis,  “as grandes noites de verão, e as estrelas, as estrelas da terra!”. Todos somos convocados a ouvir: “Uma simples coisa aqui percebida, valerá o infinito” (Rilke). Tanto a mística como a literatura são portas de entrada para essa alegria: de “nos perdermos no cotidiano para encontrar o maravilhoso” (Octávio Paz).

Esta a razão mais forte e viva de pensar em mais um volume de textos que recolhem os temas debatidos nos últimos seminários de mística. Aliás, o quarto volume, que vem coroar um trabalho que transbordou uma década. O livro compõe-se de dezesseis textos, precedidos de um prefácio de Marco Lucchesi, que fala sobre a singularidade dos encontros realizados naquele recanto tão especial da periferia de Juiz de Fora: seminários “inquietos” e “fascinantes”, vividos num clima muito diverso daquele encontrado nas tradicionais instituições acadêmicas. Daí seu traço inaugural.

Num primeiro bloco, dois textos trazem um pouco de sabedorias aprendidas do Oriente, de uma literatura que bebe nas águas do Zen Budismo. O ensaio de Faustino Teixeira – Passos da realização espiritual: o boi e o pastor (1) – busca trabalhar o tema da espiritualidade com base numa série de imagens clássicas presentes no repertório da escola Zen florescida no Japão desde o século XII. O ensaio de José Carlos Michelazzo – Mística e experiência pura (2) – visa apresentar o diálogo entre a filosofia ocidental e o Zen budismo, tendo por referência o pensamento de Kitarô Nishida, e a noção base de sua reflexão: a experiência pura. Esse grande pensador, lume da Escola de Kyoto, almejou um diálogo profícuo do Ocidente com o Oriente, num caminho de síntese marcado pela comunhão entre reflexão e intuição, com o foco na palavra “experiência”.

Num segundo bloco, três textos destacam a reflexão filosófica em torno da mística. O ensaio de José Carlos Michelazzo – As habitações do humano como expressões do tempo  (3) – aborda os três modos de pensar e existir com respeito ao problema do tempo: o modo antropocêntrico, relacionado com o pensamento metafísico; o modo existencial, que já envolve um certo acolhimento da impermanência; o modo numinoso, que traduz um “abismo” substantivo na reflexão sobre o tema, em direção a uma experiência religiosa radical, de ultrapassagem do antropocentrismo. O desenvolvimento temático é realizado com o aporte das reflexões de Martin Heidegger e Dôgen, o fundador do Soto Zen. No ensaio de Carlos Roberto Drawin – Heidegger e a confrontação com a religião (4) – ele visa trabalhar a delicada questão da relação de Heidegger com a metafísica, evitando o nebuloso caminho trilhada pela “vulgata ´pós-metafísica`”. No desenvolvimento dessa questão, trata dos diversos momentos que marcaram o posicionamento de Heidegger com respeito à questão religiosa. O ensaio de Luiz Felipe Pondé – filosofia mística mínima (5) – trata da abordagem mística em Georges Bernanos, em particular o modo peculiar como ele desenvolve a relação entre o corrosivo vazio da alma e a misericórdia de Deus. Como indica Pondé, talvez um dos maiores enigmas associados às visitações místicas “seja essa parceria entre a fraqueza absoluta e a beleza absoluta”. Trata-se de um tema recorrente na abordagem filosófica de Pondé, a presença da Misericórdia: “a sensação de que o mundo é sustentado pelas mãos de uma beleza que é também uma presença que fala”.

Num terceiro bloco de ensaios, destaca-se a reflexão sobre alguns místicos importantes da tradição ocidental. Inicialmente, o trabalho de Luciana Ignachiti Barbosa – Tecendo palavras (6) -, em torno da literatura em Teresa de Jesus. Como objetivo, destacar o caminho literário percorrido por Teresa para descrever sua experiência de amor. Um caminho que para ela sempre esteve animado por uma “experiência” colhida diretamente na presença do Mistério. No ensaio de Sibélius Cefas Pereira – Descansar no inexprimível – (7), ele visa apresentar a articulação entre poesia e contemplação na obra de Thomas Merton. Já dizia William Blake, que fomos “colocados na terra por um pequeno espaço de tempo para podermos aprender a suportar os raios do amor”. Para Thomas Merton, a contemplação jamais vem percebida como uma área separada da vida, ou deslocada da visada estética. Em verdade, a contemplação é o traço de integração da vida, animado por viva  inspiração poética. Em proximidade com a visada poética, o olhar contemplativo é capaz de penetrar “para além da superfície das coisas e dos acontecimentos, a fim de apreender algo do sentido interior ´sagrado` do cosmos”[5], de sua realidade espiritual. Ainda sobre Thomas Merton, o ensaio de Marcelo Timotheo da Costa – Sublimes experiências (meta) históricas (8), com o relato de duas viagens realizadas por Merton em Roma e Cuba, nas décadas de 1930 e 1940. São experiências de forte densidade mística, descritas na clássica obra A montanha dos sete patamares, de 1948, associadas “a desígnios intangíveis providenciais”. Em linha de grande sintonia com Merton, a presença de uma mística bem singular, Etty Hillesum, que morreu em plena juventude no campo de Auschwitz, em novembro de 1943. Sua vida foi um ininterrupto colóquio com Deus, e em circunstâncias que foram sendo pontuadas por sombras cada vez mais densas. Em razão de profundas reservas espirituais interiores, soube manter sempre acesa a chama de Deus. Dizia em página de seu diário: “Haverá sempre um pedaço de céu para poder olhar, e muito espaço dentro de mim para unir as mãos em oração”[6]. Essa jornada espiritual de Etty Hillesum vem destacada por Mariana Ianelle em sua reflexão sobre O livro das horas de Etty Hillesum (9), pontuando as marcas de Rilke e as ressonâncias inter-religiosas em sua espiritualidade

            Em outro bloco de reflexões, as abordagens focam-se agora na literatura brasileira. Primeiramente, o ensaio de Cleide Maria de Oliveira – Incorpóreo é o desejo (10), visa trabalhar o erotismo místico de Hilda Hilst. A autora apresenta com maestria o “apelo erótico-amoroso” da poeta brasileira, e o caminho por ela traçado para responder a equação Deus-Mundo. Na sequência, o ensaio de Maria Clara Luccheti Bingemer – Iniciação e paixão (11) -, onde busca tratar a tensão dialética entre Eros e Agape em dois romances de Clarice Lispector: Paixão segundo GH Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. No ensaio de Alex Villas Boas – Com licença poética (12) -, o objetivo é descrever a recepção estética da obra de Drummond na poética de Adélia Prado.

            Em bloco final de ensaios, outros temas emergem como significativos, como no caso da abordagem de Rodrigo Petronio, que busca apresentar a questão do Niilismo e transcendência no cinema oriental (13). Trata-se para ele de uma “corrente subterrânea” que envolve a cinematografia oriental. Os cineastas japoneses, chineses, coreanos e sul-asiáticos partem, assim, do niilismo – entendido como marco do processo modernizador – e através dele conseguem “atingir a outra margem e tocar a outra face do nada: a transcendência”. Um exemplo vivo disso, apresentado por Rodrigo, está no filme A partida, de Yojiro Takita, premiado no Oscar de 2009. No ensaio seguinte – Leituras da morte e da beleza (14) -, Marcus Reis Pinheiro busca responder ao desafio de pensar uma linguagem distinta para tratar o misterioso e angustiante jogo de Eros e Thánatos. O tema vem trabalhado com o aporte de obras de Philip Roth e Platão (O animal agonizante Fedon).  O ensaio de Eduardo Guerreiro B. Losso – Prática espiritual na poesia: origens da modernidade (15) -, visa trazer para o leitor o valor do legado ascético para a literatura, entendido como singularidade de uma “práxis vital”, fornecendo um aporte importante a uma estética da existência contemporânea. Como indicou Eduardo Losso, a prática da contemplação ganha uma singularidade especial, pois “mobiliza uma atividade extremamente ativa da percepção, precisamente dando atenção ao movimento da atividade perceptiva, em estado de silêncio (…). O objeto se torna motivo de um trabalho de si”.  A contemplação fornece, assim, um significativo contraponto para a “constância avassaladora da distração generalizada por meio de estímulos audiovisuais” presente no tempo atual. Por fim, o breve ensaio de Faustino Teixeira – Luzes do Sinai no Subsolo (16) -, busca apresentar algo sobre a presença mística na reflexão de Luiz Felipe Pondé. De forma mais precisa, o jogo que articula o seu “ceticismo antropológico” com as imprevistas visitas da Misericórdia divina.

            A variedade de recortes temáticos que envolvem esse livro é a expressão viva da riqueza plural dos diversos seminários de mística de Juiz de Fora, que ao longo de mais de uma década reuniu pesquisadores e estudantes de mística de várias partes do Brasil, provenientes de diferentes áreas acadêmicas, fornecendo um “toque” singular e novidadeiro aos estudos de mística realizados no mundo acadêmico brasileiro. E que essa obra, na sequências das outras publicadas nessa mesma editora, seja um estímulo a mais para a continuidade das reflexões e  pesquisas sobre o tema em nosso país.

(Faustino Teixeira (Org). Mística e Literatura. São Paulo/Juiz de Fora: Fonte Editorial/PPCIR, 2015)


[1] Rainer Maria RILKE. Elegias de Duíno. 6 ed. São Paulo: Globo, 2013, p. 21 (Segunda Elegia).

[2] Ibidem, p. 21-22.

[3] Ibidem, p. 67 (Oitava Elegia).

[4] Ibidem, p. 116.

[5] Thomas MERTON. Poesia e contemplação. Rio de Janeiro: Agir, 1972, p. 196.

[6] Etty HILLESUM. Diario. Edizione integrale. Milano: Adelphi, 2012, p. 718.