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Passagens

Passagens, 2003, ed. Iluminuras, São Paulo. Texto de apresentação de Nelly Novaes Coelho.


Poeta da condição humana, Mariana Ianelli, neste Passagens, se faz testemunha lúcida/agónica do atual caos em que mergulhou a brilhante Civilização que herdamos da Tradição. A que criou o mundo belo e progressista de ontem, alicerçado em Verdades e Certezas absolutas e que, já esgotado em seus valores de base, se vê mergulhado em crise, sem que outros “absolutos” surjam para substituir os antigos e permitir que um novo equilíbrio seja alcançado no mundo. Em meio ao caos, só restou o Homem e sua voz de Poeta com a tarefa de renomear o mundo.

(…)

Passagens testemunha o apocalipse; dá voz ao homem- da-queda, “prisioneiro de si mesmo”, que “dança contra os sinais de pecado”, nele inscritos por Deus. Poesia essencialmente metafórica, a destas Passagens tem raízes bíblicas. Como a poeta diz na Introdução, ao descobrir no Antigo Testamento a “intensidade de um sofrimento humano nunca tão bem entoado como nas queixas de Jó”, nasceram os versos do “Enredo do Cão”, – poemas que abrem o volume. Neles se faz presente o “homem degradado” do nosso tempo-em-mutação, aquele que, como Jó, se viu despojado de sua dignidade humana e de tudo quanto construiu em sua vida de dedicação ao dever e de fé.

(…)

Réquiem pelo homem sitiado pela dor e pela morte, Passagens termina abrindo uma fresta para a luz:

“Não te aflijas: / Na entranha do rochedo que te prendeu / Foi inscrita a audácia do teu desafio, / Do espelho inerte que te recebeu / Uma fonte viva expediu a tua luz. / Que nunca se perca o esplendor da tua ascensão.”

Estará nascendo o homem, ser-feito-de-tempo?…

Nelly Novaes Coelho



Danço contra os sinais de pecado
Que Deus pôs em mim,
Numa violência de estranha beleza.
Se me canso, Ele ainda me atiça,
Se revido, Ele mais me golpeia.
Lhe respondo uma última vez
Com a chama das canções do Templo.
O semblante do meu desejo aventureiro
Sempre espera um visitante que não sei,
Alguém que surge e não fica,
Que me fascina e não me retém,
Aquele que diz “agora e não amanha”,
E habita o meu lado de dentro.
Constante, singular, astro do Inconsciente,
Deus não está no filho que fez.

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