Duas chagas, 2001, ed. Iluminuras, São Paulo. Texto de orelha de José Mindlin.
Diante de um silêncio de mais de dois anos, que se seguiu a publicação de seu primeiro livro de poemas Trajetória de antes, poder-se-ia indagar se Mariana lanelli teria posto de lado a poesia. Puro engano. Com este novo livro ela se mostra cada vez mais envolvida por um instigante e provocativo “fazer poético”. Duas chagas – um nome estranho para uma obra de autora jovem, que não pode ter vivido, na vida real, as angústias que os poemas contêm – é um livro complexo, que revela um mundo intelectual agitado e revolto e provoca em mim a busca de um significado oculto. Confesso minha perplexidade inicial, que se foi transformando em curiosidade: é normal que jovens ensaiem poesia que reflita sentimentos amorosos ou de inquietude, mas o que Mariana Ianelli faz vai muito além disso. É um questionamento dos homens e do mundo, que seria compreensível se vindo de alguém mais velho, com muito sofrimento e desilusões. Ora, este não é, evidentemente, o caso e daí a surpresa, que, provavelmente, não será só minha.
Seu novo livro, entretanto, é obviamente fruto de talento e sensibilidade, que faz com que muito se possa esperar da trajetória poética e literária de Mariana Ianelli.
José Mindlin
Os que não sabem
matam e suprem com mesmo destino.
Filhos da mentira, amamos porque não.
Alegóricos.
Os olhos e os dedos apressam alguma conciliação
que afaga nossa parte inválida.
Por todo esse tempo formamos o alvo certo
e nos arremessamos em riste,
humanamente, perdidamente.
Histórias justificadas, rompidas, libertas
valem nada se uma palavra esvanecida nos serve.
Decadentes.
Rimos da nossa igual finitude, nos vexamos.
Adoráveis e decadentes.
Nossos poemas possíveis estontearam
na saúde da boca, na cabeça madura.
Pobres autores de nós, que sabemos.