Dança no alto da chama, 2023, ed. Cousa, Espírito Santo. Texto de orelha de Luci Collin.
“Esse livro é de jorros, de brotamentos e algo também de mistérios e muito também de marulha dos júbilos. É aventura-princípio de nossos ínfimos imensos, dos céus de outros mundos, que sabem a viagens e silêncio contando do que (nos) observa. Entre guardados: meteoritos, ousadias, erupções, fortunas. Entre segredos: brancuras, lodos, cerimônias dos tons proliferados. E o que faz tremer dessagrados e até as águas; e o que sagra a palavra vasta, pintada, úmida, desbragadamente doce a penetrar, a deixar-se estar espessamento e chama. Eis porque toda noite. Eis porque a fruta se prova”.
(Das palavras de Luci Collin)
DANÇA NO ALTO DA CHAMA
Pouco as luzes da cidade nos viram juntas
E jamais as horas de um dia inteiro
Mas sim: já muitas vezes nos viram
A lua de Bashô, a rosa de Hiroshima
Catedrais de flores empíreas e cometas
Sim: já muito nos viu juntas
Um mesmo sonho de firmamento
Sobre os desertos gelados e ventosos do Ártico
Lá onde trabalha Vyacheslav, o homem
Mais solitário nosso amigo, que tem sobre a mesa,
Entre livros, uma foto de Yuri Gagarin
E tantas, tantas vezes nos viu o rés-do-chão
E também a Aldebarã de uma cantiga de Cecília,
E nessa cantiga os olhos de Omar Khayyam
E suas mãos morenas destilando mel da estrela,
Pouco as luzes da cidade e nunca as horas
De um dia inteiro, mas as danças no alto da chama,
Sim, nos viram, nos repiques da noite,
Juntas, nas odes ao fogo, aos fúlmens,
Às frestas incandescentes de todas as coisas
Já uma vez rebentadas, feridas pela vida.