América – um poema de amor, 2021, ed. Ardotempo, Porto Alegre. Bilíngue: português – espanhol. Tradução de Eduardo Langagne. Texto de apresentação de Ramon Nunes Mello. Semifinalista do prêmio Oceanos 2022.
Este Poema de Amor tomou corpo, quero crer, num ‘estado poético’ onde a poeta propôs-se mergulhar, uma espécie de vórtex movido pelo encontro das águas de, ninguém menos, um Amazonas com um Atlântico. Ali onde as palavras ganham carne e sentidos próprios para amantes, estando livres para ecoar nos abismos dos que amam, quando ela diz querer ‘tua parte que morre e fecunda: essa eu quero’, mais valorada esta que suposta parte forte. Em estados poéticos se fabricam poemas de amor, obedientes ‘das deusas da libido’, alcançando momentos de vesânia, como um desvario, onde sussurram mil almas pessoanas, mas mantendo-se a cabeça no lugar. É-se a si mesmo, e também o outro, em movimento caleidoscópico, que não permite pensar-se, ali apenas se é. ‘A gota de fogo, de Octavio Paz’.
‘Somos devorados e para isso viemos’. De fato, a morte da petite mort é efêmera, coisa veríssima, mas ali estarão ainda ‘palavras que se tocam e se acendem’, quando percebemos não além de que ‘somos fagulhas que tonteiam’ e que, onde pisamos ‘há um chão irisado que não é deste planeta’.
Ouse América, livre-anagrama de Mariana. Ouse: ‘somos os amantes’. Poema de poeta orvalhada, poeta de águas, de outros cosmos. É poema-ato-político.
Paulo Rosa
(…)
É um seio se dando num quintal de abacateiros
É o fumo que chupamos juntos fazendo chama
São as nuvens de um segundo firmamento sobre os cânions
É o teu corpo adolescendo de novo
Doando fogo ao dia e ao faro do cachorro
É a barra de uma saia arrepanhada para as coxas
Um ziguezaguear de lagartixa e o cachorro ladrando louco
É a libação de um jasmineiro e seu perfumado gozo
O sol amarrado à pedra até a terceira hora
A pedra quente como um corpo vivo sob o nosso corpo de criatura
É a manhã sobre as ovelhas como sobre arbustos de lã
É o traço cantado do vento espiralando por gracejo
É o estardalhaço insano das cigarras nas matas
São as borboletas-monarca debruando de âmbar um azul de outubro
São os teus olhos a conversar com os olhos das éguas
Fogo de um lampião de estância onde uma moça lê um livro
Fogo da procissão que arboresce de luz a vila em festa
Fogo latente desses vulcões sobre cidades
Onde o perigo exorta a amar urgentemente (…)